Desintegrados, de Neal Shusterman


Nem preciso comentar o quão interessante é quando temos a oportunidade de ler uma obra que mescla a ficção distópica em meio à fantasia criada pelo autor com a realidade, pois que o enredo de Desintegrados não foge tanto daquilo que é tido como "racional".  Mas, infelizmente, não li o primeiro exemplar da série, e isso gerou certa dificuldade para ligar alguns pontos já que se trata de uma sequência. Contudo, desempenhando o meu papel de leitor, pude perceber a premissa e a crítica proposta por  Neal Shusterman — escritor de mais de 30 livros premiados — no segundo volume da série Fragmentados.


Em minha breve pesquisa, vi que o primeiro exemplar interpela o tema do "aborto" em pessoas que já nasceram; ou seja: um massacre. A criança tem proteção até os 13 anos, porém, após essa idade, os pais podem "abortá-la" num processo de fragmentação, que se resume na retirada de órgãos e outras partes do corpo sem matá-la. Assim, os fragmentos podem ser utilizados para outros fins e até mesmo na criação de outras pessoas. É válido lembrar o significado do termo distopia, que compreende  "um lugar ou estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação". É o contrário da utopia. Por isso o tema proposto pela série pode soar bem desconfortável e aterrorizante para alguns, todavia, da mesma forma que existe público para os gêneros de terror, suspense, entre outros, existe também para as distopias.


Agora, falando sobre o segundo volume, aqui resenhado, este possui uma abrangência maior sobre as questões do primeiro exemplar. Percebi que os problemas se ramificaram, formando outros, seguidos por seus questionamentos e discordâncias. Para mim foi difícil saber quais eram os personagens novos e quais já haviam sido apresentados anteriormente, mas isso não impediu o entendimento da trama. Além do mais, como já mencionei, a crítica presente no contexto fantasioso de Shusterman diz respeito à ação dos políticos e corporativos na busca insaciável pelo poder. E isso se agrava quando mudamos a lente para enxergamos essa fragmentação lucrativa como um tráfico de órgãos. Enfim, um assunto bem pesado para quem gosta de ultrapassar os limites da realidade. 


Connor, um dos personagens, descobre que seus pais assinaram a ordem de fragmentação para despedaçá-lo. Desolado, o garoto foge a fim de se proteger e acaba encontrando mais duas pessoas na mesma situação: Risa e Liv. Ambos fragmentários que tentam se salvar até completarem 18 anos, pois com essa idade eles recuperam a proteção à vida. Seguindo essa premissa, os três iniciam o desenrolar da narrativa em jogos de emoções, contrastes de personalidades, reviravoltas e surpresas. Como qualquer livro distópico, não é aconselhável entregar os pontos antes da leitura, mas creio que com essas informações seja possível idealizar os personagens e seus percalços para se surpreender com a criatividade e profundidade do autor durante a leitura.


A construção de personagens de Shusterman é única assim como seus cenários. Ambos extremamente detalhados que possibilita uma imersão profunda à obra. E isso se equilibra com o tema, que, por sua vez, também possui uma densidade elevada e requer certa atenção para que haja total compreensão da narrativa. Em síntese, afirmo que é um livro completo para aqueles que gostam do gênero, com suas características marcantes que vamos descobrindo a medida em que viramos cada página, servindo como incentivo para continuarmos incansavelmente a especular desfechos  para todos os personagens.
Além de tudo que já foi dito, nos tornamos mais sensíveis diante do enredo ao percebermos a frieza dos pais que entregam seus filhos ao "aborto", a falta de compaixão e sentimentos calorosos, as leis absurdas que aos olhos da sociedade são normais; mas também, em meio a esse emaranhado desesperador, somos surpreendidos pela empatia com um toque de humor. Neal Shusterman soube jogar com suas palavras, e aqueles que se aventuram pelos capítulos de sua série são expostos aos limites humanos, tanto no âmbito físico quanto no psicológico, e formalizam em suas mentes a dúvida sobre o que é viver e quanto vale uma vida.

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Título: Desintegrados
Autor: Neal Shusterman
Editora: Novo Conceito
Publicação: 2017 | Páginas: 416
Sobre: A Fragmentação tornou-se um grande negócio com poderosos interesses políticos e corporativos em jogo. O governo não quer apenas continuar com ela, como também expandi-la. A aguardada sequência de Fragmentados desafia a suposição de onde começa e termina a vida e o que realmente significa viver.

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