A Livraria, de Penelope Fitzgerald


Seria um típico romance inglês em cenários e diálogos se não fosse pela especialidade de Penelope Fitzgerald em conduzir seus leitores a uma excêntrica trama que desperta questionamentos distintos à medida em que se avança na leitura. Apesar de sua brevidade, a obra traz uma perspicácia exacerbada em questões de convívio no sentido político; muitas vezes rompendo em vieses orgulhosos e egoístas por parte dos personagens. Tudo isso para desenrolar a narrativa direta que cultiva previsões de seu desfecho, mas que surpreende todos aqueles que ousam imaginar um final à trama. 
Adaptado ao cinema por justamente trazer questões de convivência, classe, dinheiro e política, o exemplar também aborda preceitos de afinidade, aludido na introdução de David Nicholls como "exterminadores e exterminados", com os primeiros predominando o tempo inteiro. Ele ainda conclui dizendo que a proposição é inspirada em momentos da vida de Fitzgerald, e que dificilmente iremos encontrar outro autor que discorra tão bem as facetas do fracasso com tamanha compaixão. Nesse aspecto, Nicholls tem toda razão, pois a autora molda o cenário com destreza antes do desenlace, seja ele exultante ou trágico.
Somo introduzidos à pequena cidade costeira de Hardborough, no final da década de 1950. Florence Green, viúva de meia-idade, se muda para lá e decide abrir uma livraria. A protagonista compra uma residência histórica inabitada há anos para dar início ao seu negócio e, a partir daí, passa a enfrentar o que uma mulher sozinha, sem raízes locais e pouco relacionada, enfrentaria perante a sociedade da época. A nova livraria gera não apenas problemas pessoais para a Sra. Green, mas divisões entre os influentes de Hardborough. De tal forma que se propaga um verdadeiro campo de batalhas no microcosmo da cidadezinha. 


A autora desenvolve os problemas de Florence Green de forma bastante cortês, porém incisiva. Dentro desse contexto, o leitor experiencia uma estrutura de privilégios atemporal, apoiada na inveja e crueldade por parte dos opositores à livraria. Apesar de tais percalços se desenrolarem há quase sessenta anos, suas características são bem presentes na realidade atual, o que faz do livro uma ferramenta de análise social usada para tentar compreender o porquê da relutância de algumas pessoas para com o novo. 
A Livraria é um exemplar curto, mas cheio de detalhes e questionamentos que desenvolvem em nós uma competência apurada de percepção. Fitzgerald é capaz de nos mostrar o que acontece pelas ações dos personagens sem haver a necessidade de recorrer ao narrador — que cumpre o papel básico de conduzir às suas angulações da leitura. Em síntese, a obra nos enlaça desafiando a trivialidade na comédia social mordaz que a autora desenvolveu, indo ao encontro da serenidade e da devastação. E nesse choque de extremos, o romance de consolida. 

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