Nunca Houve Tanto Fim Como Agora, de Evandro A. Ferreira


Ao contrário de outras críticas sociais que apresentam sua temática de forma massante e trivial em meio à narrativa, a obra de Evandro Affonso Ferreira nos surpreende com seu enredo de palavras bem colocadas, retratando o tema proposto pelo esboço do jogo de particularidades e características singulares assinadas pelo autor. E digo isso pois o mesmo reflete sua vasta experiência literária nos parágrafos curtos que fazem uso apenas do necessário, ou seja, o essencial para despertar no leitor aquilo que o escritor almeja: a mensagem que faz pensar em algo de forma inovadora, deixando o lado sistemático para ir ao encontro do emocional.


Nunca Houve Tanto Fim Como Agora, além de tudo, apresenta uma profunda reflexão filosófica do ponto de vista do narrador, que é em primeira pessoa, mostrando e indicando os fatos que fazem do mesmo um ser pensante em meio aos problemas que enfrenta. E sobre esses problemas, já pelo título é possível ter uma vaga noção do que se trata, uma vez que se destaca a palavra fim das demais; a mesma que serve de chave para abrir as portas da mente a uma nova visão da realidade. Ora, o fim para nós muitas vezes pode ser o início para os outros; e esses mesmos denotam um fim inimaginável para grande parte da sociedade, que se não fosse o romance de Ferreira, certamente passaria por despercebido.


Se já é desafiador imaginar um sentido para a vida debaixo de um teto, imagine encontrar o mesmo no relento sob tosses, gritos e divagações, com o corpo áspero da sujeira das ruas e o desagradável cheiro do esquecimento. Ter de observar os passos rápidos dos apressados dando razão para suas respectivas vidas, e desdenhando aqueles que não têm caminhos a seguir, sendo desprovidos dos olhares dos transeuntes, assemelhando-se a "ácaros topográficos" — termo muito bem colocado na obra.
"Nós? Lodos de olhos remelentos, lamas autômatas de pés descalços, aspecto ferruginoso; moluscos de cabelos mondrongos, dentes cabungos, apodrecidos; bolores que tossem noite toda: pulmões escamurrengados, ervas daninhas de corpos esquálidos, desnudos, fétidos; restolhos de gemidos lancinantes."
É exatamente esta a premissa do livro: um olhar diferente sobre os problemas esquecidos da sociedade. Sendo este mais afiado e mais profundo em sua perspectiva diferenciada, apresentada pelo autor. Algo como perceber o imperceptível ou trocar a lente como se vê o mundo são questões a serem analisadas, tanto que na obra muitas vezes é abordado o termo caracterizado como "filosofia do relento", da qual pode sair um ponto de vista bem mais sombrio sobre os desafios de viver nas ruas. E o livro apresenta isso de forma lírica e muitas vezes erudita, o que é contraditório até certo ponto da leitura, quando se depara com a questão da contrariedade presente em tudo e em todos.


As reflexões dos jovens formadores da tal farândola — o grupo de maltrapilhos protagonistas da obra — são bem profundas e críticas. Sentimentos que rompem as palavras do texto e saem do papel, refletidos em emoções derradeiras de seus personagens. Evandro A. Ferreira sabe como escrever, e faz isso com maestria em seu curto romance singular, repleto de aspectos originais desenvolvidos pelo próprio ao longo de sua jornada literária.


Sintetizando o exemplar, fui surpreendido, de fato. Jamais pensei que o tema pudesse ser abordado de forma tão poética, sem cair na mesmice das críticas sociais. Não há monotonia, tanto que a consequência desse estilo próprio é a vontade de ler o livro em voz alta, de forma declamada. Sua leitura foi um presente, cuja premissa ficará sendo ponto de reflexão por um bom tempo, indo de encontro aos fins palpitantes de um início, e primícia ferrugenta dos finais.

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Título: Nunca Houve Tanto Fim Como Agora
Autor: Evandro Affonso Ferreira | Editora: Record
Publicação: 2017 | Páginas: 160 | Esse livro no Skoob
Sobre: Escritor premiado, Evandro Affonso Ferreira alcança, neste romance, um raro equilíbrio entre apuro literário, inovação linguística, reflexão filosófica e crítica social. Resistindo ao apelo das narrativas uniformizadas, que atualmente se confundem no vazio, Evandro tem pacientemente cultivado, ao longo de décadas, o próprio estilo. O resultado é único: uma voz contundente, ao mesmo tempo honesta e erudita, reconhecida pelo leitor desde as primeiras linhas, como ocorre nos maiores nomes de nossa literatura.

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