A Metamorfose, de Franz Kafka

Nesse jogo de objetividade, o assombroso ganha moldes de angústia e descontrole; a fantasia do inacreditável se esconde com o manto da realidade obscurecente que inebria a razão dos leitores. Estes lançam uma pergunta: o que é que aconteceu? E no coro melancólico de incertezas, as linhas da metamorfose vão lapidando a percepção de valores que abrange desde a singela apreciação da arte até os conceitos tortuosos da metafísica.

Ler A Metamorfose, de Franz Kafka, é ter a oportunidade de navegar por interpretações metafóricas ou permanecer contemplando a intenção denotativa das palavras. De qualquer modo, a narrativa traz consigo uma série de compreensões sobre o cotidiano trivial do protagonista que é surpreendido por sua metamorfose em determinada manhã. Gregor Samsa se transforma em um inseto repugnante e a partir daí sua vida muda drasticamente. Assim vamos nos aprofundando pelas dores do personagem que antes era o esteio da família, mas que agora se resume no rastejar em torno de sua própria sujeira e em se esconder para evitar o espanto dos mais próximos.

A trama carrega uma tristeza ressequida e enxuta nas entranhas. Um livro isento de rodeios que vai direito ao ponto e corta com sua lâmina afiada as ramificações da esperança. Os maiores problemas são gerados pela falta de diálogo entre a família que prefere esconder Gregor no quarto e raramente toca no assunto, pela covardia ou incapacidade de enfrentar a realidade como um desafio a se superar, pelas incertezas e incredulidades e, também, pelo cansaço gerado ao longo dos meses que se passam.

Trata-se de um livro para ser sentido e refletido. Sua brevidade é capaz de enlaçar apenas o essencial daquilo que o autor quis tratar. Mudamos a forma de pensar, apuramos a interpretação da nossa existência, ressignificamos valores furtivos e nos colocamos no lugar do metamorfoseado. E se acontecesse com a gente? Sem quaisquer explicações, será que os nossos problemas permaneceriam os mesmos? Será que teríamos o mesmo desfecho que Gregor? São perguntas que florescem nossa capacidade de ver a vida com olhos mais maduros, deixando para trás toda mesquinharia que possa atravancar nossa caminhada de evolução.

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