As Orelhas da Lebre


Certa vez um animal possuidor de longos chifres feriu traiçoeiramente o poderoso leão, que, enraivecido com a deslealdade do ataque e também para que não se repetisse aquilo, expulsou de seus domínios todos os animais que ostentassem chifres. Carneiros, cabras e touros, ao saberem da notícia, puseram-se em debandada, temendo o castigo do selvagem monarca. E tão grande era o temor inspirado pelo leão, que em meio aos fugitivos viam-se até gansos e corças, que, na ânsia de escapar ao perigo iminente, optaram pelo exílio. 
Uma lebre, vendo projetada na parede a sombra de suas orelhas, teve receio de que algum perseguidor as tomasse por chifres.
— Adeus, meu vizinho — disse ao grilo —, sou obrigada a abandonar meu país, pois estou certa de que no fim de tudo dirão que minhas orelhas são chifres e passarão a perseguir-me.
— Ora — respondeu o grilo —, achas que sou bobo para vires dizer-me tamanha asneira? Quem não vê logo que o que tens não passa de orelhas?
— Eu seu disso, e tu também o sabes — voltou a dizer a lebre. — Mas de que adianta sabermos nós esse fato? De ti não preciso esperar nenhum castigo, que és ainda mais fraco do que eu. Temo os fortes, que, estou certa disso, verão em minhas orelhas os mais perigosos chifres de todos aquele que já terão encontrado. E de nada me valerão, nem súplicas, nem choros. Serei perseguida, condenada e verás como serei até enforcada.

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