A Torrente e o Rio


O encontro das águas com as pedras produzia formidável estrondo. A queda era de vários metros de altura e a torrente se precipitava fremente e espumante. Todos fugiam do terrível caudal e o horror seguia seu itinerário, tremendo toda a campina em torno. Não havia viajante, por mais intrépido que fosse, capaz de enfrentar aquela barreira.
Certo dia, viu-se um homem sem outra alternativa senão arrojar-se à corrente, ameaçado como estava por vários assaltantes que lhe vinham no encalço. Fez mentalmente uma prece e atirou-se na água. As ameaças não eram nada mais que simples ruídos. A torrente não tinha mais que poucos palmos de fundo e o homem fugitivo não se expôs a nenhum perigo mais do que os desenhados em sua imaginação fantasiosa.
A coragem apoderou-se daquela viajante. Se conseguira arrostar a fúria da terrível torrente e saíra ileso, nada mais havia que pudesse causar-lhe medo. O êxito do ato aumentava-lhe cada vez mais a coragem.
Como se os ladrões não tivessem desistido da perseguição, o viajante chegou às marges de um outro rio, cuja torrente parecia a imagem de um sonho tranquilo. Entrou resoluto nas águas. Seu cavalo, que vinha lhe salvando da recorrente perseguição, não conseguiu livrá-lo nas pérfidas ondas; ambos maus nadadores, precipitaram-se ao fundo.
Tal conto nos faz refletir sobre o quão traiçoeiro é o silêncio das águas. Os boatos que corriam sobre a forte correnteza barulhenta nada mais eram que especulações, afinal, os tagarelas não oferecem maior perigo que o de irritar-nos  com sua torrente de palavras.

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