O Homem Desatento às Portas do Paraíso


Existe um conto dervixe que relata a história de um homem que, como a maioria de nós, sabia no fundo da alma qual o caminho para o Céu. Sabia que devia amar o próximo como a si mesmo, honrar seus pais e lidar honestamente com todos. Ele sabia como ajudar os necessitados e defender os inocentes. Sabia que a humildade, a paciência e o autocontrole são virtudes sábias. 
E esse homem certamente tentava cumprir todas as coisas — mas só de vez em quando. Ele ajudaria um amigo, se por acaso se lembrasse que esse amigo estava passando por necessidade; fazia uma prece de ação de graças, se julgasse conveniente; até dava dinheiro aos pobres, se lhe doesse a consciência pesada. Mas a maior parte do tempo ele se ocupava mesmo é com seus próprios assuntos.
Seus hábitos se impregnaram na alma e ele acabou desenvolvendo o defeito da desatenção. As oportunidades para um comportamento exemplar vinham e iam-se; em certas ocasiões chagava a percebê-las, mas de um modo geral nem notava as chances de fazer o bem. 
E um dia ele morreu. Enquanto subia o caminho do Paraíso, olhou para trás, para a sua vida. Lembrou-se das vezes em que havia amado e ajudado aos seus companheiros na Terra e julgou-as suficientes.
Quando chegou aos imponentes portões do Céu, contudo, viu que estavam trancados.
Uma voz ressoou no ar:
— Vigie atentamente — avisava. — Os portões se abrem apenas uma vez a cada dez mil anos. 
Ele estacou, os olhos arregalados e trêmulos com a expectativa. Decidiu ficar bem alerta. Porém, desacostumado de praticar a virtude da atenção, seu pensamento logo começou a vagear. Depois de vigiar pelo que lhe pareceu uma eternidade, seus ombros descaíram e a cabeça começou a balançar. As pálpebras tremularam, pesaram e fecharam-se por um segundo de sono. 
Nesse mesmo instante, os poderosos portões se abriram — e, antes que pudesse abrir os olhos, fecharam-se estrondosamente, com um trovão que derrubou todos os desatentos para fora do paraíso.

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