Coleção Melhores Crônicas: Marina Colasanti


Mais uma vez imerso no oceano das crônicas; agora, diria passageiro de um ônibus na estrada da vida, cujas curvas revelam-se em linhas de textos breves, porém com sentimentos pulsantes de uma especialidade à parte. Mais uma vez, e outra, e outra... Parágrafos curtos, orações incisivas, emoções de uma vida costumeira e um olhar seletivo para a realidade. Assim se dá as crônicas de Marina Colasanti: como uma árvore carregada de frutos à beira do caminho. Mesmo não estando com fome, o viajante não sai de sua copa até se fartar. Ora doces, ora amargas, as crônicas da autora se revelam em maestria e nos conduz à via arborizada da literatura.
Qualquer leitor consegue perceber a paixão pela escrita que Marina possui e deposita em suas crônicas. Retrato de uma verdadeira cronista que enxerga de forma singular as nuances habituais do cotidiano. De temática abrangente, a autora recobre o imaginário refletindo sua artisticidade: contista, poeta, autora de livros infantis, lindos contos de fadas, desenhista, pintora... Sua sensibilidade e inteligência andam de mãos dadas e encontram a solidariedade, seja pelas pessoas, pelos bichos, pelas plantas, água dos mares ou brilho das estrelas. Enfim, uma autora sofisticada.


O exemplar é dividido em partes cuja, seleção foi feita por Marisa Lajolo — que também escreveu o prefácio, dizendo que a fragilidade e a volatilidade dos sentimentos e das emoções registradas são assumidas com o caráter fragmentado, já que o narrador não é onisciente nas crônicas de Marina. Esta característica entra na comparação com o ônibus em movimento: se os leitores são os passageiros, o narrador, talvez, pode ser o motorista que também não sabe o que encontrará na próxima curva da estrada. 
Um outro ponto a ser mencionado diz respeito às narrativas; transcorrem as histórias que, habitualmente, são passadas a limpo não de forma linear, mas oscilando em contrastes, migrando questões rotineiras, refletindo a vida ou a morte e enlaçando conspirações. Tudo isso sempre com um olhar solidário. Em síntese, Marina leva seus leitores a experienciarem o know-how da linguagem que torna estranho aquilo que é conhecido e vice-versa. Carlos Drummond de Andrade, ao escrever sobre a autora, disse que "sua contenção verbal chega ao máximo, não há sinal de mais ou de menos".
De fato, Marina Colasanti é uma das maiores escritoras brasileiras — nascida na Itália — que dedicou sua vida ao ofício. Sua obra é um orgulho para o acervo nacional. O exemplar aqui abordado foi publicado pela Global Editora na Coleção de Melhores Crônicas, e sua organização potencializa uma boa experiência de leitura. Finalizando a perícia e as impressões, faço das palavras de Marisa Lajolo as minhas: "a cronista põe no texto um pouco da vida de todos nós, passageiros de um ônibus, em cujo percurso ela vai assinalando paisagens. As dela e, nas dela, as nossas...".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A História de Caronte: O Barqueiro dos Mortos

Mobilismo e Monismo

O Segredo de Cura dos Índios

A Livraria, de Penelope Fitzgerald