Sumidouro: Pedra Duas Irmãs (Segunda Parte)


Quando trago à mente os exemplares de fantasia e ficção, cujos enredos me fazem viajar pelo imaginário da literatura, penso sempre no espaço e no tempo em que são colocados os personagens. Algo extremamente fantasioso que foge da realidade e vai ao encontro da magia, ou, melhor dizendo, da improbabilidade. Quando tiro o mundo literário de cena, onde tenho infinitas possibilidades de viagens dimensionais — espaço-tempo —, pouco me resta senão pensar em portais capazes de transportar seres para lugares inimagináveis. 

Um portal pode se consolidar de várias formas e, também, pode ter vários objetivos, não se resumindo apenas a viagens dimensionais como nos mostra a fantasia. Pode significar renovação e recomeço. Ultrapassar um portal é sempre um ritual a quem leva dentro de si a mística da terra e o desejo de transformação. Algo relacionado à evolução espiritual para os teístas e amantes das forças da natureza. E, ainda para os mais céticos, os portais também são um mistério; uma junção de duas ou mais partes que formam uma passagem para o vazio — mais relacionado a um adorno do caminho, embelezando os passos de viajantes fortunados. 

Seja o que for, quando penso em um portal, minha mente se enche de indagações. Como surgiu? Quando foi descoberto? Quem o ultrapassou pela primeira vez? Qual foi a sensação? Continuando minha série de artigos sobre Sumidouro, percebo que poucas formações rochosas se precipitam com tanta maestria na estruturação de um portal como a Pedra Duas Irmãs, localizada na pequena cidade do Rio de Janeiro. Trata-se de um verdadeiro portal natural, cercado por natureza e águas turbulentas de um rio pedregoso. 

Ainda que nos dias atuais a cidade tenha crescido e o encanto não seja mais o mesmo de outrora, o portal de Sumidouro tem sua imponência e mística. Trata-se de duas grandes pedras de, aproximadamente, trinta metros de altura, que se unem naturalmente formando entre si uma passagem triangular. 


Não sei exatamente o porquê dos rochedos levarem o nome de Duas Irmãs. Andando pelos arredores, pude notar que uma das grandes pedras tem contato direto com a floresta, enquanto a outra possui sua base às margens do rio Paquequer. As árvores de troncos e galhos retorcidos reforçam a fantasia do ambiente; ganham força enroscando-se nas pedras da colina ao lado, transmutando o cenário em um verdadeiro templo natural, tendo como ápice o grande salão de pedras e árvores cuja acústica delineia os sons da natureza com precisão. Vento que sopra impetuosamente, pássaros que gorjeiam em júbilo, o Paquequer que corre suas águas bruscamente... Tudo se une para formar a orquestra das Duas Irmãs. 

Não sei quem foram ou o que fizeram. Sei apenas que as irmãs se eternizaram juntas para aguçar minha imaginação, transportando-a pelo portal de sua existência. Quantas histórias elas escondem no frio toque de sua estrutura; antes mesmo que pudesse haver papel e caneta para registrar seus feitos; antes mesmo que os primeiros moradores de Sumidouro se mudassem para a região; antes mesmo que a estrada fosse aberta, permitindo a passagem pelo portal que rasgou o tempo pelos anos sem fim. São irmãs que presenciaram o mundo de uma forma diferente e viram coisas que já não existem mais; irmãs que se abraçaram e escolheram passar a eternidade juntas, dando a oportunidade aos que nessa terra habitam de caminharem pelo infinito que entre as duas existem, apurando a percepção de espaço e refinando o caminhar de quem, um dia, ousou atravessar o portal de sua vivência.

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