O Amigo Dedicado: A Ilusão de Promessas Vazias


A vida é, de fato, cruel quando se pratica a bondade em meio à ingratidão. É como plantar em solo infértil; ainda que a expectativa seja de exuberantes flores ao final, nada nascerá das rachaduras ressecadas e esquecidas pela chuva primaveril. Oscar Wilde soube ilustrar esta problemática em seu conto, fazendo-nos refletir a respeito da amizade lesiva, quando o lado mais forte tira proveito do mais fraco.

O Amigo Dedicado é uma fonte de reflexão social, e, ainda que escrito há mais de cem anos, nos mostra de forma atual como seres maliciosos e egoístas conseguem crescer às custas da ingenuidade e inocência dos que não semeiam rancor em seus corações. Hans, tido como protagonista, só queria cuidar do seu jardim com amor, cultivando as flores mais belas com todo sentimento que tinha dentro de si. O pobre homem conseguia tirar da terra o seu sustendo durante o verão, a primavera e o outono. Contudo, o inverno se fazia muito rigoroso para ele, tendo de enfrentar momentos muito difíceis de fome e frio.

O moleiro que morava nas redondezas, homem de muitas poses e bens, vez ou outra fazia uma visita nada amistosa ao pobre jardineiro, pedindo suas flores em troca de promessas vazias e ilusórias. Uma delas foi dar-lhe o velho carrinho de mão em troca de incontáveis favores — cada um mais pesado que o outro, como consertar o telhado do moinho e apascentar o rebanho das ovelhas.

Hans precisava do carrinho de mão e fazia tudo de bom grado, nunca esperando-o em troca de seus serviços. Via o moleiro como seu amigo. E a cada trabalho realizado, o rico homem o pedia mais e mais, a ponto de deixar o jardim esquecido pela falta de tempo do jardineiro. 


Em uma noite de forte temporal, o filho do moleiro adoeceu e o homem correu à casa de Hans pedindo-lhe que fosse chamar um médico às pressas. Nem sequer a lamparina ele o emprestou. Hans saiu sozinho no escuro até onde o doutor morava para avisá-lo sobre a enfermidade do menino. O médico então subiu no cavalo e partiu em direção à residência do moleiro. Hans ficou lá, sozinho, tendo de enfrentar a noite fria e chuvosa na mais densa escuridão. Foi retornando para sua casa que o jardineiro caiu de um penhasco e morreu afogado em um lago de águas barrentas. Apenas na manhã seguinte seu corpo foi descoberto. Nem em seu velório o moleiro deixou de contar vantagens sobre seus feitos, afirmando ter perdido o melhor amigo. 

Isso nos faz refletir sobre como alguns são extremamente corroídos por seus egos fortificados, tornando-se donos da verdade e do bem. O moleiro prometia de tudo a Hans e nada cumpria. Iludia-o até deixá-lo em êxtase para poder cobrar favores sem nada ter que pegar. Era manipulador até para pegar as lindas flores que o jardineiro plantava com tanto carinho. 

Apesar do trágico final, ao menos Hans morreu com o coração leve e puro, livre dos pesos mundanos que nos consome. Em contrapartida, o moleiro continuou vivo na busca incansável de aumentar sua fortuna, cada vez mais se sufocando no veneno de sua vaidade e egoísmo.

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