Sábio e caridoso, segundo Esopo.



Conta-nos Esopo que certa vez um homem, que tanto tinha de caridoso como de imprevidente, encontrou em sua propriedade, num dia em que saía a visitá-la, uma serpente enregelada, estendida sobre um galho. Tal como estava, aquela víbora não viveria mais que um quarto de hora. O imprevidente homem apanha e, enrolando-a num quente pedaço de lã, leva-a para casa. Lá chegando, estende-a perto da lareira, sem nem ao menos imaginar o que poderia ter por paga.
Apenas começou a correr-lhe pelo corpo aquele agradável calor emanado das achas da lareira, a serpente recobra ânimo e a traição volta a habitar, como sempre o fizera, naquele traiçoeiro animal. Quando se sentiu senhora de todas suas ações, com todas as faculdades de planejamento, o réptil ergueu um pouco a cabeça, lançou um sibilo, enrolou-se sobre si mesma e armou o bote, tendo por mira seu benfeitor.
– Hás de pagar-me, animal traiçoeiro – exclamou o homem, livrando-se do mortal bote com um rápido movimento para o lado. É assim então que pagas o benefício recebido?
E, dizendo isso, com todo o justo furor que o assaltava, empunhou a machadinha e com rápidos golpes fez em três o corpo do réptil, que ainda, remexendo-se, tentava unir as três partes separadas. Mas debalde: cabeça, tronco e cauda já não se juntariam. 
A caridade é grande virtude, mas há que saber a quem aplicá-la. E é justamente aí que se encontra a dificuldade. Quanto aos mal-agradecidos, é certo que mais cedo ou mais tarde sempre terão o fim que merecem.

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